Se eu fosse vereador
Ele foi incriminado por “tirar casquinhas”, que é pedir notas de despesas de viagem a mais para ficar com o troco.
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terça-feira, 11 de julho de 2023
Ele foi incriminado por “tirar casquinhas”, que é pedir notas de despesas de viagem a mais para ficar com o troco.
Domingos Pellegrini
Quem começa a ler isto achando que quero ser vereador, engana-se como se enganou quem votou em Seo Fosse.
Ele ganhou esse apelido depois de muito passar pelos sete botecos da vila, cada um no seu dia da semana, e bebia só uma cerveja pequena, que esquentava porque ele não tinha pressa, bebia só pra botequear. Que é gostar de tudo do boteco, a simplicidade casada com a precariedade, o radinho ou a tevê que ninguém ouve nem vê, o balcão pro cotovelo e as conversas sobre tudo, tornando assim o boteco um mundo.
Quando o assunto era mais alguma roubalheira nacional, falava que disso não entendia, mas, se fosse coisa municipal, desde buraco de rua até um novo viaduto, dizia sempre:
- Eu, se fosse vereador... – e repetia o que de melhor tinham antes falado os outros.
Um dizia que era preciso acabar com a rótula no alto da avenida Madre Leônia, fazer ali uma trincheira. Outro dizia que pena, o chafariz lá é bonito. Se funcionasse, dizia um terceiro, aí ele erguia o dedo e:
- Se eu fosse vereador, ia propor ali uma trincheira bonita.
Todos concordavam, é, talvez fosse melhor mesmo, isso mesmo, até lhe aplaudiam. E assim ia ele, já até sendo esperado num ou noutro boteco, para opinar nalgum problema ou comentar algum dilema, quando sempre pedia pra antes lhe contarem o que já tinham falado daquilo. Aí ouvia, dava uma golada, depois dizia que, se fosse vereador...
Acabou ganhando o apelido, Se Eu Fosse virando Seo Fosse; e um dia passou uma repórter procurando gente de apelido estranho para reportagem brincalhona, e no primeiro boteco já lembraram de Seo Fosse. Daí ele apareceria até no jornal nacional da rede, virando orgulho do bairro, como lhe disseram vários. E um perguntou porque ele não se candidatava a vereador, outro disse que conhecia alguém de um partido que andava procurando candidatos, pra cumprir as cotas eleitorais e...
Aquilo se espalhou que nem vírus, como disseram, e ele, apesar de nem parecer político ou por isso mesmo, foi eleito um dos vereadores mais votados.
Um fenômeno, disseram as rádios, e em entrevista na tevê ele falou que não merecia nada daquilo, devia tudo que sabia aos amigos que ouvia, e como tinha orelhas dos dois lados, ouvia sempre os dois lados de toda questão, só isso.
Choveram emails e zaps comentando que ele era o tipo de político que falta no país, exemplo a ser seguido, visão de estadista, conforme até tuitou alguém.
Mas logo em seguida ele empregou, para cinco cargos no gabinete de vereador, dois irmãos, uma cunhada, um sobrinho e a mãe, e explicou quando a imprensa cercou:
- Minha mãe me dá aconselhamento espiritual, fundamental para meu conhecido senso de equilíbrio em todas as questões.
Acabou cassado por fazer rachadinha com os cinco, não perdoando nem a mãe de lhe “devolver” metade do salário, e depois foi incriminado por “tirar casquinhas”, que é pedir notas de despesas de viagem a mais para ficar com o troco.
Daí passou a não mais passar pelos botecos, e estaria esquecido se não fosse ainda alguém, diante de algum problema ou dilema, sempre lembrar:
- Parece coisa pra Seo Fosse...