É, várzea assim com maiúscula, pra merecer o povo varzeano, os praticantes e agregados do futebol de várzea, que tem esse nome por ter surgido lá nas margens do Rio Tietê então chamadas assim. César Vidotti, primo de Dalva, é quem sugere escrever sobre essa escola de civilidade que começava com empreendedorismo quando nem existia essa palavra.

Pois os pioneiros de muitos times de várzea sabiam que, para um bom futebol amador (no melhor sentido da palavra, de amar o que se faz), antes de tudo era preciso capinar, despedrar, plainar na enxada, marcando o chão bruto com cal ou palha de arroz.

Ninguém portanto dava carrinho porque o chão não era gramado, mas assim nasceram times que até hoje estão aí, com ou sem campo próprio mas atuantes nas suas comunidades. E o time de várzea podia até não ter campo mas tinha de ter ordem, a começar por um técnico com poder de escalar o time, ou viraria um brigueiro danado. Além disso, o time tinha direitos e deveres, funções e tarefas, rotinas e missões, lideranças e coletivo, essas coisas com que se faz até nações.

Então alguém tinha de recolher as camisas suadas e levar limpas pro próximo jogo, elas que são a alma do time.

Alguém tinha também de combinar os jogos e, no caso de ser longe ou noutra cidade, alguém tinha de acertar caminhão, onde o técnico ia na cabine com o motorista, o time ia na carroceria, brincando como moleques de qualquer idade. E o time tinha de ter reservas, para jogar noventa minutos de futebol corrido sem desabamentos em campo.

O roupeiro podia ser coringa de massagista, mas o time tinha de ter também o chefe, misto de líder e pai, pra dar a primeira palavra nas iniciativas e a última palavra nas decisões. Esse chefe podia ser também o técnico, um jogador profissional aposentado ou um dono de bar apaixonado por futebol, a quem o time retribuía como clientela cativa. O bar então era a sede do time, até para os batizados (porque o time ia jogar noutros bairros e cidades, moças e moços trocavam olhares, nasciam namoros e depois bebês...).

E depois de cada jogo, tinha sempre um rangobão, aquela comida que é muito boa porque merecida, fosse pão com mortadela ou até churrasco com todo o acompanhamento da cerveja à viola.

A várzea, num tempo em que ainda não existiam chuteiras coloridas, era outro mundo, onde os adversários, depois de lutar bravamente, iam comemorar juntos, sem o ódio das torcidas organizadas, sem o rancor de inimigos. Ao contrário, a várzea era um incessante criame de amizades e histórias.

Por exemplo o caso daquele time que foi jogar numa fazenda, festaram até noite alta, aí foram pro caminhão e a viagem de volta foi literalmente aos trancos e barrancos, porque o caminhão acabou num barranco e o time ficou todo ferido. De volta a sua vila, viram que as casas estavam acesas, as mulheres esperando, e elas perguntaram porque aqueles machucados, e todos eles, sem combinar nada, falaram a mesma coisa: - É que foi um jogo duro, e você devia ver como ficou o time deles...

Mais histórias da várzea semana que vem. Se quiser contar a sua, o email taí embaixo.

* A coluna de Domingos Pellegrini é publicada aos finais de semana. E-mail: escritordomingospellegrini@gmail.com

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A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.

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