“A água engoliu nossa casa”, diz a mulher diante da enchente, “não dá pra ver nem o telhado!”

As enchentes no Rio Grande do Sul revelam o pior e o melhor do Brasil, da solidariedade às milícias, passando pelo como sempre inútil sobrevôo publicitário de autoridades. A necessidade de previdência administrativa fica óbvia nas notícias, a indicar que tudo pode se repetir sem obras para escoamento do Rio Guaíba e da Lagoa dos Patos – e, se já foram planejadas e postergadas, essa imprevidência, quando divulgada, servirá para amargo aprendizado.

Além das crenças e descrenças no aquecimento global e suas consequências, estão dois fatos indiscutíveis. Primeiro, que tudo pode se repetir a qualquer tempo, pois as enchentes recorrentes tornaram-se usuais em muitas regiões e países, então aquela família pode perder a casa que reerguer. O segundo fato é que será preciso limpar, reerguer e refazer casas, negócios e vidas, o que decerto será o maior dos empreendimentos no país, pois nem a construção de Brasília terá custado mais - até porque no reerguimento gaúcho se juntarão recursos públicos e sociais, de gente que investirá tudo que tiver nem que seja só suor.

Certamente veremos a garra do povo que, saindo de lá, passou a plantar em todo o país, onde há tantos centros de tradição gaúcha, pois eles deixaram sua terra mas não sua identidade. Em 1986 em Porto Velho, capital de Rondônia, à noitinha entrei numa churrascaria quase vazia, quando chegou um senhor tão idoso quanto vigoroso, vestido de gaúcho das botas ao chapéu com barbicacho. Ele botou som alto na vitrola e passou a dançar sozinho pelo salão redondo cercado de mesas, e logo chegou muita gente também pilchada, para dançar como quem respira, sem parar. Antes de sair, perguntei ao veterano se era pra esquentar que ele antes dançara sozinho, e ele:

- É pra não perder tempo.

O povo gaúcho tem roupas, comidas e linguagem típicas, como também músicas até com instrumento típico, que chamamos de sanfona mas para eles é gaita, e também têm um espírito típico.

Sublevações e revoltas houve muitas na História do Brasil, mas só na terra gaúcha houve guerra por mais de dois anos contra o governo central, a chamada Revolução Federalista ou dos maragatos contra os picapaus, com dez mil mortos e centenas de degolas. Foi uma guerra civil que, entretanto, depois firmou mais o espírito gaúcho, com vencedores e perdedores se vendo como históricos lutadores, comungando um legado de garra.

A guerra, em que era preciso co-operar, também implantou nos gaúchos o gosto pela cooperação, que gerou um cooperativismo forte, que decerto se juntará à luta para, como dizem lá, dar um trato no Rio Grande. Os noticiários, que hoje focam o desastre e a solidariedade, decerto até por cansaço esquecerão os gaúchos quando eles estiverem se reerguendo em persistência e mutirão, e igualmente decerto ao fim de cada reconstrução farão um fandango, uma merecida festa.

Se a Terra queria castigar uma região para dar um recado ao mundo, com certeza verá uma gente que fará do castigo uma vitória.