- O senhor está detido, e deve ser avisado que tem o direito de permanecer calado.

- Ué, é filme americano?

- Esse direito vale aqui também, senhor, e este procedimento é parte do novo padrão de civilidade de nossa corporação policial, com respeito estrito e explícito a todos os direitos civis. Por isso, o senhor também está sendo filmado por esta camerazinha aqui.

- Oi! Posso dar tiauzinho pra ela, né?

- O senhor também deve ser avisado que desacato à autoridade ou servidor público é crime passível de prisão em flagrante.

- Mas eu já não estava detido?

- Por despejar lixo em logradouro público, sim.

- Lixo? Eu estava adubando minha arvorezinha! É, essa bichinha ali foi plantada em tempo de seca e depois não foi regada, aí foi secando, salvei regando com este regador que foi de minha mãe. E, quando a nossa arvorezinha florir, vou levar um buquê pra ela no cemitério. Por isso, rego na lua crescente, mas..., então, cuidar de planta virou crime?

- Desculpe, senhor, é que pra nós pareceu outra coisa.

- Que eu podia estar despejando o penico aqui, né? Mas era água misturada com humus, fica escura...

- Por isso, senhor, nos confundiu, desculpe novamente.

- E também não tinha nada químico na água, portanto, ambientalmente também estou inocente. Mas continuo detido?

- Não, senhor, desculpe e tenha um bom dia.

- Agora, aqui entre nós, e se ela tivesse morrido de seca como tantas plantadas em tantas ruas e avenidas? A lei diz que todo policial deve e todo cidadão pode efetuar a prisão em flagrante delito, e ficou flagrante que a pobre muda não ia vingar por falta de rega depois de plantada. Na verdade, continuo regando por amor ou por doidice, conforme minha mulher, depois das primeiras regas ela ia continuar crescendo só com as chuvas, mas, como dizia minha mãe, o melhor da vida é fazer com gosto o que a gente gosta, se não prejudicar ninguém. Mas a falta de rega depois do plantio é fatal. Flagrante delito! Mas prender quem?

- O senhor desculpe, mas precisamos voltar a nossa ronda.

- Claro, boa sorte. E agradeço, pois me fez lembrar de penico, que acho que nem existe mais, mas lembrou minha mãe, que dizia que se enganar é humano, não desfazer o engano é burrano.

- Sim, senhor, até então.

- Pois não, mas só mais uma coisinha. Dá pra pedir por zap cópia da gravação da minha quase detenção?

- Como é, senhor?

- É, tá tudo gravado aí, né? Então, quero minha cópia a que tenho direito conforme a lei. E já fico pensando comigo, será que vou ter de pagar advogado pra ter o que devia ser corriqueiro?

- Mas para que o senhor quer cópia?

- Não é pra botar nas redes, não tenho ego bastante pra isso, é pra mostrar à minha mulher. Ela diz que sou babá de árvore, vou mostrar que quase fui preso por isso, só pra irritar, gosto de irritar a Rita.

- Desculpe, senhor, mas...

- Não precisa se desculpar, você não tem culpa de nada. E quando ela florir, pegue umas flores e leve pra sua mãe ou pra sua mulher.

- Oh, obrigado, senhor.

- De nada, mas agradeça a ela, que é quem florir.

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