Se você carcar bem o limão antes de cortar e espremer, sai mais suco. Se carcar malemá, não sai tanto. Mas também não vá macetar tanto o limão a muque que azede, que aí só resta pinchar fora. Agora você ficou cabreiro porque não entendeu bulhufas? É que estou escrevendo em Pé-Vermelho, a língua dos norte-oestinos paranaenses. Por causa de que?

Porque recebi versão digital do livro O Jeito de Falar dos “Pé Vermeio”, do historiador, economista e linguista Emílio Carlos Boschilia, que, nascido em Capelinha/Nova Esperança, rende a nossa terra esse amoroso e delicioso tributo de amor.

O Norte e o Oeste do Paraná foram povoados por índios e depois por gente de todo o país e do mundo inteiro, e isso ecoa na nossa língua. Além de um dicionário de palavras e provérbios muito usados pelos pés-vermelhos, o livro conta nossa colonização em linguagem de gente, embora embasada cientificamente. Ou seja, sabe o que diz e diz gostoso.

Chega a dar cosca o gosto de ler um livro que, sem se empiriquitar de sábio, é sabido. Leva a um passeio pela nossa História sem ufanismo direitista nem depreciação esquerdista, apenas relatando os fatos, mostrando como nas frentes de colonização nossa gente se encontrou, se entendeu e se cruzou, desde racialmente até linguamente. O livro também leva a apreciar a beleza e a graça da Língua Pé-Vermelho, variante do tronco brasileiro da Língua Portuguesa.

Boschillia mostra como outras regiões também falam expressões que aqui, porém, ganham significados diferentes. E nossa pronúncia também é diferente das de outras regiões do Paraná, sendo diferentes mesmo a pronúncia pé-vermelho do Oeste gaúcho e do mineiro-paulista Norte do Paraná. Então cresce diante da gente esse gigante chamado Língua, feito e refeito diariamente tanto pelas pessoas que falam quanto pelas que escrevem, sempre renovando ou enterrando, criando ou ressuscitando palavras e modos de falar. Que espelho do tempo é rever já desusadas as gírias da tua infância!

E como a pronúncia pé-vermelho é marcante! O autor brinca criando e transcrevendo foneticamente esse nosso jeito roceiro de falar:

“São falas di um tempu qui us homi da roça tinha famia, fio i muié. E qui tudu si passava comu si todu mundu tivesse futuru i as coisa fossi feita comu si certu fossi. Os sitiante i seus pião trabaiava roçanu matu, catanu café i comenu u qui Deus dessi: serraia, mio, bobra, mandioca, mamão i otras coisa da terra. A caça durô inquantu us matu tava di pé; dispois era só cafezau i uns pastim. Tamém havia quem prantassi argodão, criav´uns porquim, u´as vaquinha i tinha lá argum vira-lata pra guardá us quintau.”

Claro que esse padrão fonético é lá da raiz, depois modelada pela educação escolar e pelo mercado de trabalho urbano, ou seja, nós não falamos assim o tempo todo – mas é só deixar o disgracido do tempo trazê algum pobrema sério e óia nóis falando que nem lá na roça. A vida é paraíso entre estrupícios.

O livro tem ainda o condão de nos deliciar com recordações de modos e costumes de nossos pioneiros, como no diálogo entre pai e filho:

- Pai, vô na festa dus primu.

- Cê vai bebê?

- Num vô não.

- Cê vai fumá?

- Tamem não.

- Vai dançá?

- Achu qui não.

- Vai furunfá?

- Craro qui não.

- Intão fica in casa.

Patrocinado pela Copel através do Profice, programa cultural estadual, o livro digital pode ser pedido gratuitamente para o próprio autor: emilioboschilia@gmail.com. O livro impresso pode ser pedido também gratuitamente por instituições culturais e escolas, desde as mais superiores às menorzinhas, basta ter pé-vermelho com vontade de mais se conhecer reconhecendo nossa língua.