Grupo do 5º ano que participou do festival de matemática conseguiu acertar todas as dez questões: confiança e tranquilidade
Grupo do 5º ano que participou do festival de matemática conseguiu acertar todas as dez questões: confiança e tranquilidade | Foto: Ricardo Chicarelli - Grupo Folha

Considerado patrono da educação brasileira, Paulo Freire dizia que não é a educação que transforma o mundo, mas sim muda as pessoas e elas acabam transformando o mundo. Vivendo na prática esta reflexão, a Escola Municipal Irene Aparecida da Silva, no conjunto Jamile Dequech, zona sul de Londrina, tem se utilizado do ensino para motivar, mobilizar e melhorar a realidade em que estão inseridos.

A instituição ficou na última colocação no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) de 2017, entre todas as escolas municipais da cidade, com 5,5. Outras duas unidades também tiveram este desempenho. No final de setembro, um grupo de alunos da Irene Aparecida Silva conseguiu nota máxima no festival londrinense de matemática, organizado pela secretaria municipal de Educação. A conquista foi um dos frutos dos trabalhos que a escola tem desenvolvido para reverter o número negativo no indicador, além de trazer outros benefícios. Tudo pensando nos alunos.

Segundo a diretora da unidade, Márcia Maria da Silva Francisco, alguns projetos já eram desenvolvidos e foram otimizados após o resultado no Ideb. “Trabalhamos muito a leitura com os 5º anos, se utilizando da Folha de Londrina, em especial a Folha Cidadania. As turmas de 5º ano ainda coordenam um ‘mercado’ que temos, com doações, em que os estudantes podem fazer suas ‘compras’ com dinheiro fictício a cada bimestre, em que recebem de acordo com o bom comportamento”, conta. Eles ainda participam de um programa de empreendedorismo infantil.

O Ideb é calculado a partir dos dados sobre aprovação escolar, obtidos no censo, e das médias de desempenho nas avaliações do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), que nos municípios é a Prova Brasil, promovida a cada dois anos para meninos e meninas do 5º ano. No caso da escola da região sul, são duas turmas neste ano. Em toda a instituição são 280 alunos, do ensino infantil, fundamental e EJA (Educação de Jovens e Adultos).

A gestora da escola relata que a partir dos resultados foi analisado o que os alunos mais erraram e foram bem para atuar nestes deficits. Ela destaca que a chegada da coordenadora pedagógica, função recriada na rede municipal neste ano, colaborou de maneira crucial para facilitar todo o trabalho. “Antes tinha muita dificuldade, pois me preocupava com parte administrativa e pedagógica. Com a coordenadora, ela pôde se dedicar e implementar novas ideias e acompanhar os alunos mais de perto.”

SELEÇÃO

Para escolher aqueles que iriam participar do festival de matemática, que foi disputada entre regiões da cidade, foi aplicada uma prova entre os alunos dos 5º anos, selecionando os seis melhores, que vieram da turma da manhã. A partir de então, eles iniciaram um treinamento. A preparação durou cinco meses, sob a condução da coordenadora pedagógica, Cristien Fraga, com o apoio da professora Daliane Aparecida Yurack.

“Sempre nos preocupamos com aqueles que têm mais dificuldades e aqueles que sobressaem se destacam. Foi isso que ocorreu com a seleção para o festival de matemática, que neste ano chegou à terceira edição. Nesta preparação trabalhamos com o jogo Batalha Naval, já que a prova seria baseada em coordenadas, e disso fomos vendo as atividades, nos utilizando de gabaritos de outras provas”, explicou Fraga. “Não tem algo melhor na vida de um professor do que ensinar para quem gosta de aprender. Ainda estamos desmistificando a matemática”, valorizou.

Cristien Fraga,  coordenadora pedagógica:  "É Nos unimos para transformar essa realidade"
Cristien Fraga, coordenadora pedagógica: "É Nos unimos para transformar essa realidade" | Foto: Ricardo Chicarelli - Grupo Folha

FELICIDADE

Demonstrando muita confiança e tranquilidade, o grupo (formado por seis estudantes, mas que em razão das regras quatro fizeram a prova), conseguiu acertar todas as dez questões de matemática em cerca de 30 minutos. “Foi fácil porque estávamos treinando com questões mais difíceis. Ficamos muito felizes”, resumem Giovanna Gabriely Dias e Artur Vidal da Silva, ambos de 11 anos. Mais de dez escolas da zona sul participaram.

Rafaela Ribeiro, 11, lembra que não ia bem na disciplina de matemática até o início deste ano, quando mudou de atitude e começou a se empenhar mais. “Era muito difícil, porém, isso mudou com meu esforço”, orgulha-se. “Agora, esperamos conseguir notas boas em outras provas, como a Brasil, e também conseguir vaga no Colégio da Polícia Militar”, projetou Pedro Henrique da Silva Moraes, 10.

André Campos Figueiredo, 11, e Mariane dos Santos Cavalarini, 10, abriram mão de fazer as provas por causa dos amigos. Entretanto, nem por isso deixaram de frequentar os treinamentos. “Foi uma experiência boa trabalhar em equipe e aprender mais. Isso ajuda na sala de aula”, apontam. O grupo ganhou uma faixa de reconhecimento que foi colocada no prédio da escola.

‘GRANDES CONQUISTAS’

A Escola Municipal Irene Aparecida da Silva está localizada num bairro periférico de Londrina, que carrega em sua história algumas marcas que nada têm relação com a educação. Diante deste cenário, a coordenadora pedagógica, Cristien Fraga, frisa que a premiação é de extrema importância para valorizar a dedicação dos profissionais que atuam na unidade e dos alunos.

Márcia Francisco, diretora: "Mostramos para os estudantes que eles têm potencialidades"
Márcia Francisco, diretora: "Mostramos para os estudantes que eles têm potencialidades" | Foto: Ricardo Chicarelli - Grupo Folha

“Conscientizamos eles sobre a responsabilidade que tinham. Mas, falávamos para não se preocuparem em ficar em primeiro e sim que se sentissem orgulhosos de participar. Neste ano, as turmas de 5º ano ainda fizeram a Prova Paraná três vezes e evoluíram muito entre a primeira e a última. Isso mostra que não é porque estão numa escola de periferia que não é possível grandes conquistas ou competir com outras unidades de igual para igual. Se em casa não incentiva (o estudo), a escola tem que fazer isso”, defendeu.

Um projeto que também vem dando certo é a colocação de pregadores em cabides, representando cada livro lido. Uma turma, por exemplo, já leu mais de 300 publicações somente neste ano. Cristien Fraga cita que quando chegou à instituição, onde nunca havia trabalhado, outro fator essencial foi retomar a autoestima de todos. “Deixamos claro a questão do Ideb, porém, nos unimos para transformar essa realidade, batalhando, sempre juntos e envolvendo todos os alunos com atividades diferenciadas.”

Com todo o esforço, a expectativa é melhorar cada vez mais, refletindo não só em notas, mas, na formação de cada aluno de forma ampla. “O Jamile Dequech tem um olhar negativo e um estigma muito forte de ser um bairro violento. Investindo numa boa educação, mostramos para os estudantes que eles têm potencialidades. Isso só precisa ser bem trabalhado”, assegura a diretora da escola, Márcia Maria da Silva Francisco.