Em 19 de agosto de 2004, sete pessoas foram mortas enquanto dormiam na Praça da Sé, em São Paulo. Em memória desses e outros que sofreram e sofrem com a violência nas ruas, a data ficou marcada como Dia Nacional de Luta da População em Situação de Rua. Em Londrina, são aproximadamente mil pessoas nessa situação. Para representante, a ressocialização depende de políticas públicas que têm reflexos positivos a toda a população da cidade.

Imagem ilustrativa da imagem Em Dia Nacional de Luta, população de rua reivindica direitos
| Foto: Gustavo Carneiro - Grupo Folha

André Luis Barbosa, 45, é coordenador do MNPR (Movimento Nacional de População de Rua) em Londrina. Ele sentiu na pele as dores da vivência de 25 anos nas ruas da cidade até a retomada há três anos. Barbosa voltou a estudar, entrou no mercado de trabalho, agora vive em república e pretende cursar Serviço Social.

“Só depois de 18 anos de rua que eu fui saber que existia abrigo, Caps-AD (Centro de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas), foi um dos pontos fundamentais para minha ressocialização. Depois de três ou quatro anos, retomei meus estudos, terminei meu ensino médio e quero cursar faculdade”, comenta. “Se eu conseguir, eu sei que outros também podem. Eles só precisam ter acesso a esses direitos para não acontecer o que aconteceu comigo, que só 18 anos depois fui entender. Eles não sabem metade dos direitos que eles têm”, menciona.

Não só levar conhecimento, mas exigir que os direitos estejam garantidos. O coordenador destaca que a população de rua tem direitos básicos negados, como acesso a água potável e a banheiros públicos, além de sofrerem discriminação e declarações preconceituosas nas mídias e pelo poder público. “Nos classificam como dependentes químicos ou doentes mentais. Somos pais, mães, filhos, filhas, profissionais. Os motivos de estarmos na rua são muitos, cada um tem a sua história e merecemos respeito por ela”, aponta.

Para ele, ter políticas públicas voltadas à população de rua faz parte de um projeto de sociedade melhor. “O reflexo do bem-estar da população de rua vai refletir na sociedade”, afirma. “Muitas vezes existe ignorância da população, contaminada também por sensacionalistas. É preciso um tempo para avaliação essencial em cima de certos padrões”, defende.

Em outros aspectos, avalia que a cidade possui equipes técnicas capacitadas e que parte da população se solidariza, pois muitos moradores se alimentam por meio de projetos religiosos ou de restaurantes. “São problemas que são resolvidos, porém, esse serviço deveria ser pregado pelas políticas de serviço social para que não dependessem de instituições privadas ou religiosas”, afirma.

INVESTIMENTOS

A secretária municipal de Assistência Social, Jacqueline Micali, comenta que desde o ano passado a pasta está aumentando os recursos para essa população e que foi a área com mais investimento da secretaria. Além da instituição de repúblicas, contratação de orientadores sociais para abordagem, trazer população em situação de superação para atuar com os orientadores, ela também destaca que durante a pandemia foram necessárias ações específicas, como criação de casa de passagem e três acolhimentos emergenciais.

A secretária explica que o trabalho da secretaria a essa população tem sido focado na questão da proteção social presente em diversas etapas do processo de ressocialização, com início desde a rua. “Uma trajetória, trilha de cidadania com educações educativas para que as pessoas saiam dessa desproteção social no termo amplo da palavra, no sentido de cidadania, dessa pessoa que ainda não tem acolhimento. O que vamos oferecer para ela naquela condição que ela está? Qual é o processo educativo que ela pode participar para que supere a condição do momento?”, explica a secretária.

Ela afirma que o Comitê Pop Rua discute vários pontos que integram essa situação em Londrina e afirma que a secretaria possui estudos para trabalhar os motivos de as pessoas não permanecerem nos abrigos. “O acolhimento não pode ser um espaço para tomar banho e se alimentar, tem que ser um espaço que seja trabalhada a superação dessa condição”, afirma.

Com isso, comenta projeto de formação e pensamento desse novo projeto de vida e que há estudos sobre a necessidade de criar pernoites para pessoas que não tem condição de ir para o acolhimento integral. Para ela, o momento de atuação durante a pandemia também tem trazido bagagem de atuação para decisões futuras sobre o tema, que levarão a processos mais estruturados com parceria da Secretaria Municipal de Saúde.



REIVINDICAÇÕES

Em Londrina, há uma lista de pontos elencados pelo MNPR. Acesso a água potável e banheiros públicos é o primeiro deles. “Temos só um banheiro no Centro de Londrina, que estava fechado e foi reaberto por reivindicação do movimento com o MP (Ministério Público). Havia indagação de que moradores de rua faziam necessidades fisiológicas em locais públicos, mas isso não é critério só de morador de rua, muita gente fazia necessidades ali por falta de espaço”, comenta.

A transparência do número de vagas em abrigos também é uma exigência. Para ele, há um número de reclamações dos moradores afirmando que não conseguem acessar os abrigos, como também não conseguem identificar se a informação de esgotamento é verídica. Barbosa afirma que a forma de evitar esse tipo de confusão é ter transparência nos números e torná-los acessíveis à população.

Segundo Jaqueline Micali, secretária de Assistência Social de Londrina, os dados dos abrigos e das respectivas vagas são públicos. Para a reportagem, apontou que em 2020, são contabilizadas 47 vagas em Serviço de Acolhimento em Repúblicas e 285 vagas em Serviço de Acolhimento Institucional para Adultos, distribuída entre 13 instituições.

POLÍTICA DE HABITAÇÃO

O coordenador reivindica política de habitação e aponta que havia projeto em encaminhamento com o Comitê Pop Rua para encontrar soluções, porém, com a pandemia, o projeto foi enfraquecido. Para ele, é fundamental ter política de habitação aos moradores como parte do processo de ressocialização e que espera que a urgência da demanda não seja esvaziada.

Acolhimento integral feminino e acolhimento integral para casais são aspectos que devem ser tratados na cidade. “Hoje temos pernoite feminino e implementaram acolhimento para casais, porém, são medidas que vieram na pandemia. O de casais é uma luta que vem há muito tempo, porque eles se recusam a ir para o abrigo, porque a família fica separada, então preferem continuar na rua”, comenta Barbosa.

Segundo Micali, há acolhimento integral feminino em funcionamento com a igreja católica, mas que foi necessário criar pernoite. “As mulheres, devido às inúmeras situações de vulnerabilidade, não conseguem ainda ficar no acolhimento integral, então criamos pernoite. Criamos 20 vagas e por dia estão sendo utilizadas aproximadamente 10”, afirma.

Sobre o acolhimento integral para casais, a secretária afirma estar fazendo levantamento a partir das abordagens nas ruas, pois a instalação demanda recursos públicos, com termo de colaboração, e que é necessário ter números respaldando o documento. Ela também afirma que uma instituição de acolhimento não pode simplesmente mudar o objeto desse termo, passando de feminino para casais, por exemplo.

SAÚDE MENTAL

O movimento exige um Caps-AD na região central da cidade, equipe de saúde mental para atendimento na rua e retorno do Programa Municipal de Redução de Danos. “É uma luta essa transferência da unidade do conjunto Milton Gavetti para a região central”, menciona Barbosa. O coordenador aponta que o Programa Municipal de Redução de Danos teve os serviços suspensos, mas afirma que é uma política social necessária e de direito à população.

As demandas não dependem apenas dos serviços da Secretaria de Assistência Social. De acordo com Micali, existem outras áreas que foram agregadas para dar retorno a essas demandas. “Estamos fazendo junto a outras secretarias a questão de vagas de trabalho para a população que está em processo de superação de situação de rua e também a questão do aluguel social”, aponta.

COMITÊ

Para discutir essas questões, foi formado o Comitê Pop Rua, envolvendo diversas secretarias e instituições, mas Barbosa afirma que é preciso participação ativa dos setores públicos para que os planos sejam desenvolvidos. Por conta da pandemia, as reuniões presenciais foram suspensas, mas continuam sendo realizadas por videoconferência.

Barbosa aponta que é preciso trazer esses temas ao debate e que a população em situação de rua se perceba como pessoas, humanos que têm direitos como qualquer outro. “A gente luta por esses direitos, são políticas sociais que vem com uma diretriz de direitos universais, ou seja, que tem que abranger a toda a população e não simplesmente uma porcentagem dessa população”, argumenta.